domingo, 7 de outubro de 2012

Madama Butterfly

Noite mágica no Coliseu.

Uma surpresa forte que arrebatou o público, que veio em massa a 28 de Setembro e encheu mais de 3/4 da sala; com o habitual atraso na hora de começo da Ópera, desta vez mais pequeno mas mesmo assim, reprovável.
Entra no fosso de orquestra um maestro diferente, José Maria Moreno, em vez do Director Artístico e Maestro Titular da Orquestra do Norte, José Ferreira Lobo. Uma positiva diferença que se ouviu desde o 1º instante.
Um pulso forte na orquestra, uma intensidade constante, mantendo-se nos momentos mais tranquilos, de transição ou de acompanhamento aos cantores; um equilíbrio entre os diversos naipes que unificava e transparecia mais atenção por parte dos músicos para com o dramatismo de uma história de Amor que acaba mal, por este não ser verdadeiramente mútuo.
Sem chegar a adormecer nos tempi (como noutras ocasiões desta orquestra), esta manteve um respeito pela partitura que ajudou aos cantores. E esse respeito significava uma visão do cantor, das suas liberdade interpretativas e não de uma vontade metronómica de avançar a história por parte da orquestra, prática corrente.

No 1º acto, registar a forma galhofeira de Carlos Guilherme (Tenor) própria do papel de Goro, o casamenteiro e uma constante sensação de uma voz gasta e muito esforçada.
A entrada muito segura, de à-vontade, como se já estivesse dentro da orquestra, do Cônsul Americano interpretado por Boris Martinovich (Barítono): uma voz fresca, sedutora e que dava confiança para confiarmos nas suas palavras italianas bem articuladas e nos seus actos.
O coro, da Companhia de Ópera do Porto, esteve sempre muito bem até aos acordes finais do seu canto de boca fechada, um trautear ou um murmúrio de uma melodia como se de longe e de forma simples viesse embalar-nos, mas que atinge um registo muito agudo no seu final e onde alguns elementos que desafinaram absurdamente, muitos a ficarem sem fôlego e com pouca convicção. Uma pena. Outra parte em que o coro é peça basilar correu bem melhor, onde elementos dispersos por espaços estratégicos no meio do público deram um diálogo contrapontístico de belo efeito, com uma tal sincronização que pareciam estar, ilusoriamente, junto ao Maestro.

Tivemos ainda no 1º acto, na cena do casamento, um Notário interpretado por Ernâni Zão (Tenor) muito solícito, com excelente noção do tempo para as suas entradas e com excelente coloração de voz, tal como boa presença em palco junto do Comissãrio Imperial de Alberto Silveira (Baixo). Um papel que praticamente nada tem de relevante, mas onde se vê quem tem confiança e quem estuda o seu papel em toda a sua orgânica e isso Ernâni Zão fê-lo com zelo.

Um público foi ao rubro com o dueto de Amor entre Butterfly e Pinkerton (respectivamente, Hiroko Morita-Soprano e Mário João Alves-Tenor), tal como com a cena em que Butterfly se despede do seu filho para se suicidar e limpar a face perante a família, com um punhal onde inscrito está "Morre com honra, quando for impossível viver sem honra".
Em tempos de aparente turbulência nas nossas vidas, como não deixar de pensar na nossa capacidade de dar sentido à vida, se até esta é também uma só aparente migalha no Universo Humano e Artístico?

É tão bonito ver pessoas que vão pela primeira vez à Ópera e que se emocionam de forma visceral. 
Dá que pensar.

Um grande amigo meu partilhou comigo uma frase que sintetiza de forma brilhante esta noite de Coliseu:

"Uma colher de caviar não mata a fome"

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Casa da Casinha

Em berço de pedra, o rumor da água
Abre a casa à luz, une-a com a Serra,
Colhe as cores da fragata e tudo reconduz.

Ao som - das ideias, da fé, das paixões,
da morte, da vida - No pulsar das veias,
Pleno de invenções, mora a poesia.

A arte supera as rugosidades
Íntimas do tempo, quando, em folha austera,
Guarda as claridades do encantamento.

Ó ser criador, a raiz acesa
Que te ergue a mão, herdou o fulgor
Da mãe natureza que recobre o chão!









 José Machado, Braga, 1999

Poema de homenagem a Joaquim dos Santos, alusivo à sua casa